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C

heguei a Mumbai embaixo de chuva. Um homenzinho de capa impermeável vermelha me aguardava em pé, na saída do aeroporto com uma placa com meu nome em letra maiúscula. Estava ao lado de uma enorme Kombi vermelha e branca, dando um ar de anos 70. Eu havia o convencido de me aguardar, enquanto eu praticava meu hábito trouxa de andar de avião de um país para o outro. Era uma boa experiência para quem gostava de observar paisagens, ato do qual somos privados ao aparatar.

O homenzinho em questão atende pelo nome de Saif Devgan, Herbologista e criador de um sonífero a base de cactus sonnius que estava fazendo sucesso em todo território mágico indiano. Saif conseguiu lucrar bastante, se tornando um dos bruxos mais ricos entre os que exerciam sua profissão. Em dois anos, ele conseguiu sair da periferia, onde morava numa casinha de parede de barro com sua esposa e quatro filhos, para morar a poucos minutos do centro de Mumbai, numa área onde residem bruxos de classe média alta e alta.

Ainda assim, não abandonou sua velha Kombi. A Shivacar, como apelidou o veículo, era o amuleto da sorte de Saif, pois, após um de seus alunos intercambistas do Egito ter esquecido uma muda do cactus sonnius em seu interior, ele teve seu primeiro contato com a planta mágica, podendo estudá-la a fundo e conseguir fazer do limão uma limonada. Ou melhor, de um cacto uma poção.

O sonífero criado pelo herbologista ganhou popularidade por ser mais leve que a tradicional poção do morto vivo, que induz a um sono profundo. Já o sonífero de Saif, age apenas como um calmante, causando sonolência. Mas eu não viajei para a Índia atrás de um sonífero.

Com a demanda cada vez maior, Saif hoje possui a maior horta de Cactus Sonnius da Índia, e a segunda maior do mundo. Durante os primeiros testes de cultivo, ele criou uma espécie híbrida resultada da junção do Cactus Sonnius e o Cacto Hipnótico do Egito para que a planta, acostumada ao clima frio, por ser de origem européia, se adaptasse ao clima quente indiano. Mas, o projeto teve de ser suspenso por os espinhos produzidos pela versão criada pelo indiano causar fortes alucinações aos que eram espetados pelos espinhos. Convidado a experimentar os efeitos do último "cactus sonnus egípcio" criado por Saif, eu embarquei no meu último destino dessa temporada sobre cactos mágicos.

Entrei na estufa particular do herbologista, localizada no enorme quintal na parte de trás de sua casa, notando que existiam outros tipos de cactos além do sonnius. O solo havia sido planejado para simular um deserto, possuindo bastante areia e pedras. Na bancada central, um vaso de argila pintado de verde estava protegido dentro de uma caixa de vidro; era como um aquário invertido, contendo a espécie criada e rejeitada por Saif. Ele vestiu luvas grossas de jardinagem e retirou a proteção que envolvia o vaso. Eu estava ao lado, observando o ato. Com a ajuda de uma pinça, retirou dois espinhos do cacto, que se moveu lentamente.

O procedimento era simples, estender a mão e espetar o dedo. Mas Saif pediu para que eu sentasse no chão e cruzasse as pernas, como se estivesse meditando. Era importante que aquilo não perdesse o ar espiritual durante a viagem alucinógena, para tornar todo o processo dentro da lei. Os bruxos indianos aceitavam tudo, caso você criasse uma ligação com o hinduísmo. Eu segui suas instruções e aguardei.

Estava tão ansioso que nem senti os espinhos perfurarem meu dedo, o que deixou a experiência mais confortável. Agora, era aguardar o efeito que viria em menos de quinze minutos. Eu estava de olhos fechados, tentando resgatar bons pensamentos do mesmo jeito que fazemos antes de conjurar um patrono. Eu conseguia imaginar a minha antiga casa no Colorado, onde havia passado grande parte da minha infância. Conseguia sentir o cheiro do bolo de cenoura feito pelos meus pais; conseguia sentir o cheiro do campo molhado; mas, além de tudo, conseguia sentir os pensamentos se tornando quase reais. Eu conseguia sentir o gosto do bolo, eu poderia segurar um punhado de terra molhada. Eu estava no meio de uma alucinação sem mesmo perceber.

Deixei que minhas memórias me guiassem nessa viagem pelas lembranças, sabendo que, em algum momento, eu esbarraria nos meus traumas. Nenhuma vida é feita apenas de bons momentos e o que estava por vir me deixava assustado. Eu senti que tinha o poder de controlar aquela viagem, mas, ao mesmo tempo, era impossível não pensar em coisas ruins, evitando assim de reproduzi-las durante o meu período de alucinação. Foi aí que a parte ruim da minha experiência começou. Eu não irei me aprofundar nela, contando detalhadamente tudo o que pude vivenciar novamente, mas, ter que lidar com coisas que para mim já estavam enterradas há tempos, de algum modo me fez refletir sobre minhas escolhas atuais, sobre o rumo que minha vida estava levando e sobre a pessoa que eu havia me tornado. Eu acordei algumas horas depois; deitado no chão; com a sensação de ter saído do consultório de algum psicólogo muito bom. Estava com a mente leve, porém, eu mal conseguia levantar o corpo de tão cansado fisicamente. Saif explicou, dizendo que eu havia me contorcido varias vezes durante o período de alucinação.

Fiquei bastante pensativo sobre todo aquele processo. Poucas plantas mágicas me fizeram parar pra pensar sobre a nossa caminhada na terra. E com apenas uma espetadas, o cacto havia superado outras plantas no quesito "poder alucinógeno".

Foi difícil convencer Saif de liberar uma muda do cacto para o laboratório do Pasquim, ele tinha medo da planta trazer problemas durante a fiscalização. Eu realmente achei que sairia de mãos abanando, mas antes de ir embora, ele me entregou uma caixa de fósforos, enfeitiçada com feitiço de expansão, contendo uma muda do cactus sonnius modificado. Saif não me revelou o que faria com a amostra, mas ele parecia orgulho do que havia produzido ali. Talvez mantivesse escondido, numa coleção particular em sua casa.

Eu deixei a Índia contente, do mesmo modo que havia chegado, por cima. Porém, agora acompanhado do meu novo amigo, sonnius, e bastante animado para poder mostrar a America do Norte para ele. E ele para a America do Norte.

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